quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

   "Percebi que aquela figura inusitada era a D. Morte. E por incrível que pareça, não fiquei surpresa. Quando eu era criança, tinha o costume de falar com pessoas que meus pais não viam e diziam ser meus amigos imaginários. Eu cresci e parei um pouco com isso. Até que na oitava série, vi um rapaz sendo atropelado por um caminhão que descia uma lomba em alta velocidade e descontrolado. Seu corpo foi arremessado a metros de distancia, mas seu perispírito se levantou do chão como se houvesse sofrido apenas uma forte queda. Porém, estava assustadíssimo. Sem entender o que havia acontecido. Não tomei providencias quanto a isso. Até por que eu achava que era normal isso acontecer com algumas pessoas.
    Logo em seguida que Beatriz recebeu alta, a tagarela foi alojada no mesmo quarto que eu. Alguns dias antes da Bea ser liberada, ela havia entrado em depressão. mandaram ela para casa, para que sua família lhe prestasse apoio de perto. Porém, um dos enfermeiros, informou-me que alguns dias após sua alta, ela havia retornado para o hospital, porém na ala psiquiátrica, pois ela havia tentado suicidio. Resolvi visitá-la. Porém, ela não respondia a nenhuma pergunta que eu fazia.
     Outro dia, conversando com alguns técnicos, acabei sabendo que o pai dela havia sofrido de aneurisma cerebral e em seguida veio a falecer.
     Pude perceber que eu não poderia reclamar dos meus pais ausentes.
     Um dos meus irmãos veio para minha cidade e me trouxe muitos livros para que eu ocupasse tempo. Me presenteou com Tablet conectado à internet, fones de ouvido, esmaltes e um celular novo. Passou a me visitar com maior frequência, e quis me colocar em um plano de saúde que me disponibilizasse de um leito privativo. Eu disse que não era necessário, pois eu preferia ter companhias. Alguns dias após o falecimento da tagarela, eu recebi alta e fiquei na casa do meu irmão. Ele havia arrumado um quarto para mim, com as paredes pintadas de azul, minha cor favorita, e cortinas com desenhos de borboletas em tons de rosa. Fiquei encantada com tanto capricho para me receber e pelo carinho. Ele estava muito ansioso para que eu ficasse em sua casa. Finalmente havia me apresentado sua nova namorado na qual ele vivia falando, e me contou que havia recebido uma promoção no seu emprego.
     Ele estava tão feliz em receber-me em sua casa que sempre inventava algo diferente para fazermos juntos. Um dia estávamos conversando sobre a vida:
-Às vezes não entendo por que algumas pessoas tem que passar por certos sofrimentos.
-Por trás disso tudo, sempre tem uma lição.
-Tiramos lição do sofrimento de perder um ente querido?
-De certa forma sim. Nos ensina que nem tudo é como gostaríamos, por exemplo. E que o sofrimento, é na verdade a prova de que o amor é o sentimento mais forte que carregamos, e por sentir tanto carinho e afeto por alguém, acabamos por nos tornar egoístas com as pessoas. Não podemos ser assim. Não somos donos de ninguém e não nos responsabilizamos pelo livre arbítrio e pelo destino de outros, que só fazemos parte e complementamos a história de quem sente o mesmo carinho e afeto de forma retribuída.
    
      "O que antes parecia ser uma grande data, já não tem mais a mesma significância. O valor da família ficou voltada ao interesse comercial. Pelo menos é o que acontece quando a gente cresce e percebe que quem deixa os presentes na árvore de natal são os nossos pais e outros parentes.
-Odeio natal! Odeio natal! Odeio natal!- O que diabos isso tem de tanto valor pra minha família se eles se odeiam o ano interno e no natal e ano novo parecem se amarem tanto que todos os erros são esquecidos somente nessas datas. Será que ela serve pra isso? Pra você fingir ou treinar sua tolerância? Ou para fazer você lembrar que ter um pingo de compaixão é bom de vez em quando? 
       Hoje completam-se 15 dias que ninguém vem me visitar. A última notícia que tive foi ontem do meu irmão, que conta que o restante da família está na Europa. -Grande merda! Eu já esperava. Não me importo mais.- E hoje, internou uma mulher tão irritante que não parava de falar. Contou-me de quase toda sua vida e menos de quatro horas dividindo o leito comigo. Posso estar exagerando, mas enquanto ela falava com aquela tamanha velocidade, eu escutava letras grudadassemnemsequerterumespaçoparapuxaroaredarinicioaumaoutrafrase. Fui obrigada a andar até o posto de enfermagem da unidade onde eu estava internada e pedir transferência de leito. O enfermeiro me informou que não haviam leitos disponíveis no momento. Retornei para o leito e assim que cheguei "Nossa!Meacordeiepercebiquevocênãoestavaaqui!Acheiquevocêtivesserecebidoaltaejatinhaatéficadotristeporquetinhapensadoquetinhaperdidominhaamigadeconversa"
E ficou me olhando com um sorriso de tubarão, cheio de dentes. E o pior é que eles não eram afiados, mas sim a língua. Retornei para o posto de enfermagem "O senhor não tem nem um remédio para dopá-la? Fazer dormir?". O médico que estava no posto de enfermagem com o enfermeiro achou graça. O infeliz disse que não poderia fazer nada por mim por enquanto.
   Eu não queria retornar pro meu quarto tão cedo para não ter que ouvir as histórias dela, que aliás, já estavam ficando repetitivas. Por isso, fiquei fazendo amizade com enfermeiros e médicos pelos corredores e comecei a aproveitar o sol no pátio que eu nem sabia que existia. Um dia acordei-me às 07:00 horas da manhã com a tagarela cantarolando enquanto fazia tricô. Me acordei irritada. Tentei abafar o som com o travesseiro em meus ouvidos. Ela percebeu que eu estava acordada:
-Quebomquevoceacordoueuestavamesentindosozinhaeestavaloucaparaconversarcomalguem...
-Ainda estou tentando dormir. Você poderia ficar em silêncio?
-Masjánãosãomaishorasparacontinuardeitada! Aproveitaestedialindo!
-Por favor!
Ela me ignorou e começou a assobiar. Levantei-me numa furia e fui caminhando até o posto de enfermagem "Me desculpe senhor! Mas não tenho mais condições de dividir o leito com aquela moça. Ela não para de falar um segundo sequer e eu gosto de silêncio!"
"Vou falar com as secretárias para ver a disponibilidade de leitos para transferência."
"Muitissíssimo obrigada!"
Recebi o café da manhã e a minha colega de quarto sentiu um mal estar. Deitou-se na cama e chamou os enfermeiros pelo bip. Eles vieram correndo. Tiraram ela do quarto e levaram correndo para fazer exames e medicá-la. Durante a tarde ela foi transferida para lá novamente, e estava acamada. Naquele dia eu queria ficar perto dela para ter certeza de que iria ficar tudo bem com ela. Seus familiares vieram lhe visitar e sua irmã segurava sua mão com firmeza enquanto continha as lágrimas. Mesmo estando tão mal, ela tinha um sorriso no rosto, dizendo que a vida era linda e que eles deveriam desfruta-la, ela teria de partir cedo ou tarde e que ela não iria admitir que eles sofressem com a morte dela, e que sentir saudades seria normal. Disse que só iria querer que eles chorassem por ela, se lembrassem de seus momentos felizes e se emocionassem por gratidão. Mas não por tristeza. Todos choraram baixinho e em seguida saíram do quarto. Logo entrou aquele homem de terno "
Olá, amigo! Veio dar o abraço gelado em mim desta vez?"
 "Cansas-te de me ver? Com tantos outros e nas "quase" ocasiões?"
"Estou cansada de esperar. Essa coisa só aumenta e nunca me derruba de verdade. Ou tenho muita sorte ou você é quem tem muita preguiça!"
"E você quer que isto lhe derrube?"
"Querer eu não queria. Mas fazer o que se não tem cura? Deixar a minha família agoniada toda vez que acontece algo comigo é foda. Queria resolver isso logo para que esse sofrimento não os matasse aos poucos"
"Já te despedis-te hoje?"
"Só me leve daqui, amigo!"
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sábado, 13 de dezembro de 2014

       "Nos dias em que passei internada com Beatriz, lembrei de um relacionamento que tive. Ele era carinhoso, atencioso e amoroso. E eu amava-o tanto, que -como ele dizia "Chega a doer ". O único problema, é que ele não era acostumado com uma pessoa que carícia de tanta atenção, e começou a tratar outras coisas como prioridade e depois de um tempo, se isolava por causa de problemas na empresa. Não conversava comigo. Nem sequer ligava para mandar notícias. Eu procurava-o todos os dias para saber como eles estava, e com poucas palavras no telefone, resumia seu dia.Então, com o tempo deixou de fazer falta.
        Ele chorou muito quando disse que eu não queria mais viver naquele relacionamento. Mas, mesmo assim, falava que tinha outras prioridades. Não que eu devesse ser a primeira ou a segunda, até por que não se constrói uma vida através de um relacionamento. Mesmo assim, ele não entendeu que pra um relacionamento existir, tem que ao menos manter contato, o que nem sequer ele fazia como um dia já fez.
       Uns dias antes de eu terminar com ele, dizia que tinha medo de me perder. E eu nos primeiros dias respondia que era bobagem, em outros, perguntava o motivo desse medo, e no final eu perguntei por que ele não fazia algo para mudar isso. A resposta foi "Não posso fazer tudo por ti". Nem tentar? Nem valorizar como valorizava antes? Nem sequer me procurar para dizer que me amava como ele dizia só quando sentia medo...Sinto muito, mas não sou bibelô de ninguém. Eu fazia de tudo por ele e confesso que errei quando queria ficar com ele toda hora, mas depois de um tempo comecei a respeitar o espaço dele, só que quando eu corrigi meu erro, devo ter feito outro errado para não tem nada de volta. Na realidade, ter muito menos.
       -Tudo bem?
       -Sim!
       -Você está com uma expressão muito pensativa...
       -Hum...
       -Por que você não costuma conversar muito?
       -Por que conversaria?
       -Matar tempo? Se conhecer? Afinal, somos colegas de quarto!
       Virei meu rosto para ela
       -Só não tenho muito assunto. Depois de um tempo aqui, você não tem novidades para contar a não ser que seja uma melhora no seu estado clínico.
       -Pensei que pudéssemos compartilhar de nossas histórias.
Não falei nada.
passaram-se alguns minutos de silêncio até que..
-Por que você não recebe visitas?
-Quem disse que não recebo?
-Nunca vejo ninguém com você aqui..
-Eu estou internada nesse hospital há tanto tempo que os funcionários me conhecem, então posso me locomover pelos corredores com tranquilidade. Posso receber meus familiares e amigos na recepção.
-Hum...
      Nenhum amigo meu veio me ver até hoje. E meus pais estão sempre ocupados."

domingo, 7 de dezembro de 2014

A falta.

"Depois de semanas sozinha em um leito, chegou uma nova companhia. Uma moça que chorava noite e dia. Não era só dor física, mas também emocional.
  Ela havia se acidentado com o namorado na estrada. Ele esqueceu de colocar o cinto de segurança. Morreu! Ela? Ficou presa entre as ferragens e machucou as duas pernas.
  Ela ficou 6 semanas no mesmo quarto que eu, e cada dia que passava ela parecia estar pior. O médico dela resolveu conversar:
-Beatriz, você quer melhorar?
-Sim, Doutor! (respondeu como se estivesse resmungando).
-Precisamos que você melhore seus ânimos. Eu sei que é uma situação muito delicada pra você, mas entristecer-se mais e mais, a cada dia que passa, não irá lhe tirar deste quarto e desta cama. Pelo contrário, poderá adiar sua alta.
-É difícil tentar. Pior ainda, tentar não pensar no que aconteceu.
  Ele apenas assentiu afirmativamente e escreveu algo em sua prancheta. Ela olhava-o com desconfiança com aqueles olhos inchados.
-Você emagreceu bastante, não está comendo quase nada. Sua alimentação é baseada nos seus remédios pra dor de suas pernas com uma pequena dose de água. Seus exames de sangue estão todos alterados. Já está com anemia. Você quer mesmo melhorar?
-Pergunta idiota!
-Não perguntei o que você achou da pergunta! Quero apenas a resposta para ela.
-Não como porque não sinto fome.
-Você nem ao menos toca no garfo. A ultima vez que você comeu alguma coisa foi uma mordida em uma torrada, ontem à noite por insistência de sua mãe.
-E se eu quiser morrer de tristeza?
-Então a idiota está sendo você! Não vale a pena. Não irá trazer o seu namorado de volta. Vale muito mais a pena você viver com as lembranças, do que morrer por elas.
   Beatriz ficou quieta.
   Achei muita grosseria por parte dele, mas eu vi que ele falava aquilo por experiência.
   No outro dia, Beatriz, que nunca tinha trocado uma palavra sequer comigo, resolveu conversar. Perguntou o que eu estava fazendo aqui, respondi que eu estava quase morando lá. Que eu achava que não iria deitar na minha própria cama tão cedo. Ela ficou me olhando com uma expressão de pena.
-Você sente muita falta de sua casa?
-Sinto falta do sol, do vento, até mesmo do transito que tanto eu odiava. Sinto falta de caminhar por aí e ver meus amigos quase todos os dias. Ir pra festa e voltar no outro dia de manhã. Não prestava atenção que isso tudo era tão importante pra mim, até que fui obrigada a me confinar neste quarto. O bom daqui... Bom, estou tentando lembrar o que eu pensava daqui quando eu estava completando umas três semanas de internação.
    Ela olhou ficou muito pensativa e perguntou:
-Você quer melhorar?
-Sim! Mas, eu estou bem. Porém, no meu caso, realmente é difícil sair daqui tão cedo. Sinto um pouco de inveja de você. Logo você irá voltar para sua casa, no seu conforto, sua privacidade e sua vida.
-Mas não vai mais ser a mesma coisa. Meu namorado faleceu ao meu lado.
-Mas você tem a certeza de que uma de suas possibilidades não é sair daqui dentro de um caixão."

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

"A maleta"

      "Um dia, vi um homem pálido, com lábios roxos, olhos profundamente pretos, cabelo ralo e escuro, vestido com um terno preto trazendo uma maleta.
       Eu estava internada em um hospital, e a minha colega de quarto estava muito doente. Ela estava tão frágil que mal tinha força para virar o rosto para que conhecesse o meu.
      O homem sentou em sua cama e abriu a maleta. Disse que teria de levá-la, pois já era hora. Ela chorava e pedia mais algum tempo. Então, ele pensativo, disse que fazia negociações. Porém, que não eram nada boas. Ela as ouviu. Não consegui prestar atenção. Em minutos, vi o rosto dela caindo para o lado, e seu coração fez o aparelho gritar incessantemente. O homem sumira de meu quarto e nem sequer deixara rastro algum de sua presença. Logo, os médicos chegaram, e recolheram a corpo. Fiquei sozinha no quarto por mais alguns dias. E moça que costumava dividir o quarto comigo, perambulava sem saber para onde ir."