domingo, 7 de dezembro de 2014

A falta.

"Depois de semanas sozinha em um leito, chegou uma nova companhia. Uma moça que chorava noite e dia. Não era só dor física, mas também emocional.
  Ela havia se acidentado com o namorado na estrada. Ele esqueceu de colocar o cinto de segurança. Morreu! Ela? Ficou presa entre as ferragens e machucou as duas pernas.
  Ela ficou 6 semanas no mesmo quarto que eu, e cada dia que passava ela parecia estar pior. O médico dela resolveu conversar:
-Beatriz, você quer melhorar?
-Sim, Doutor! (respondeu como se estivesse resmungando).
-Precisamos que você melhore seus ânimos. Eu sei que é uma situação muito delicada pra você, mas entristecer-se mais e mais, a cada dia que passa, não irá lhe tirar deste quarto e desta cama. Pelo contrário, poderá adiar sua alta.
-É difícil tentar. Pior ainda, tentar não pensar no que aconteceu.
  Ele apenas assentiu afirmativamente e escreveu algo em sua prancheta. Ela olhava-o com desconfiança com aqueles olhos inchados.
-Você emagreceu bastante, não está comendo quase nada. Sua alimentação é baseada nos seus remédios pra dor de suas pernas com uma pequena dose de água. Seus exames de sangue estão todos alterados. Já está com anemia. Você quer mesmo melhorar?
-Pergunta idiota!
-Não perguntei o que você achou da pergunta! Quero apenas a resposta para ela.
-Não como porque não sinto fome.
-Você nem ao menos toca no garfo. A ultima vez que você comeu alguma coisa foi uma mordida em uma torrada, ontem à noite por insistência de sua mãe.
-E se eu quiser morrer de tristeza?
-Então a idiota está sendo você! Não vale a pena. Não irá trazer o seu namorado de volta. Vale muito mais a pena você viver com as lembranças, do que morrer por elas.
   Beatriz ficou quieta.
   Achei muita grosseria por parte dele, mas eu vi que ele falava aquilo por experiência.
   No outro dia, Beatriz, que nunca tinha trocado uma palavra sequer comigo, resolveu conversar. Perguntou o que eu estava fazendo aqui, respondi que eu estava quase morando lá. Que eu achava que não iria deitar na minha própria cama tão cedo. Ela ficou me olhando com uma expressão de pena.
-Você sente muita falta de sua casa?
-Sinto falta do sol, do vento, até mesmo do transito que tanto eu odiava. Sinto falta de caminhar por aí e ver meus amigos quase todos os dias. Ir pra festa e voltar no outro dia de manhã. Não prestava atenção que isso tudo era tão importante pra mim, até que fui obrigada a me confinar neste quarto. O bom daqui... Bom, estou tentando lembrar o que eu pensava daqui quando eu estava completando umas três semanas de internação.
    Ela olhou ficou muito pensativa e perguntou:
-Você quer melhorar?
-Sim! Mas, eu estou bem. Porém, no meu caso, realmente é difícil sair daqui tão cedo. Sinto um pouco de inveja de você. Logo você irá voltar para sua casa, no seu conforto, sua privacidade e sua vida.
-Mas não vai mais ser a mesma coisa. Meu namorado faleceu ao meu lado.
-Mas você tem a certeza de que uma de suas possibilidades não é sair daqui dentro de um caixão."

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